Poesia - Plínio de Aguiar


Dream - Jacek Yerka
FRAGPÓLITO

danço Pulp Fiction abraçando John Travolta com
braços de inveja
vivo enfim abraçado dançando com a memória vivo
porque não sei fazer outra coisa
como dançar twist sob olhar de Tarantino e deuses
olímpicos

vejo a cabeça do poeta Firmino
refletindo calva Rocha
sol itabunense

(suas mãos partiam cacau
roubado pelo latifundiário
escondido no bolso do paletó
escondido do salário)

“Mãe!”
o rio Cachoeira só poderia sugerir
cachaça para molhar o silêncio

a madrugada vem com seus motores
de combustão ultrapassada
domingo
o tempo tem gosto de ressaca

na cabeça apoiada ao travesseiro
o futuro planeja o assassinato da matéria

olhe
a máquina tem muitos ouvidos
a cama muitos fantasmas

é incrível como uma boca pode erguer-se nítida
comendo o sol o milho o papel mantido
não é um corpo só
são dois
três
Infinito de limites porosos

e então fico
e então digo a necessidade de amanhecer entre pedras
é um amigo que responde
é amante que sobe a escada de quatro pés
e beija a porta
e clama a morta luz do luar

que solidão desaparece no abraço?
que morta paz se encontra na sola do sapato
coberta do pó da revolta?
que invenção pode demonstrar a dimensão
revelada dos olhos?
qual é a mansão que contém verdadeiros recônditos
do pé?
qual é?
sonho infinitamente com uma cor que não
corresponderia a um coração desejado

anos oitenta ângela nolasco
sombras coloridas de ontem
outras
correntes
ignoram a luz

sombras sacadas de coldres
como dizer?
fui criado para consolar passado
manter passo
sobre flores

sombras
claro
de seios
cheiro de musas desvirginadas
sombras sobre pedregulhos
arrastam palavras

que nos fez nascer que nos faz morrer
dia a dia nas veias ossos até nos planos
mínimos máximos toque e reverso
de toque o inverso universo o diverso
quem?

que nos fez que nos faz e cabe nos extremos
a articulação da pergunta lá
e cá o degrau
degrau degrau degrau
infinitamente multipliquem-se por quatro

venha
o sonho tem quatro partes
o desconhecido acidente da liberdade
o ódio da mãe
o continente mal feito da barba
o ouvido que não tem o olho necessário para
saborear

anfiteatro
aterradoras
mãos
contato ausente
ressonante
peito infla-se sente
que o rosto
mantém
o dia
amarrado como uma máscara

esqueço a personagem mitológica
enfio-me em teus cabelos
imagino víboras lavadíssimas
com xampu
cuidadosamente despenteadas
esqueço as serpentes um momento
e pergunto por que tantos sapatos
de altos saltos

enfio o nariz
surpreende-me sempre
o aroma industrial

há outros caminhos
distantes de violinos
de parnasos pavões finos

há com certeza outros ilhéus

William S. Burroughs
late show “listen to my
heartbeat”

na bunda quente
de Laurie Anderson

sem ser exata, vez em quando
poesia arrisca-se matemática
lata
de muito canto muito puro rápido
encanto
não exata
é torpedo em peito indefeso
não é grata a metros
forjados no laço da última flor
do Lácio
nem exibição de palavra

mas contenção de rios mais roda
menos caminho

em busca de século e sangue
ritos invento nas cidades e
espaços onde rodopiam
desejos
poesia não é exata
mas lata
com 11 038 acasos
ricto desdentado do velho em farrapo
no terminal rodoviário